Tem coisas que só acontecem ao Botafogo. Eu, por exemplo, acredito ser uma delas.
Nasci e morei até os meus 8 anos de idade no Parque do Leblon, um conjunto de casas populares criado para esconder uma das entradas da Praia do Pinto, uma favela que existiu até 1969 ao lado do Clube de Regatas Flamengo.
Nessa época, minha paixão não era o futebol, mas a piscina do Flamengo. Para nadar nela, eu fingia tomar conta dos carros de jogadores como o Onça, um Aero Willys com um adesivo do Tigre da Shell no vidro traseiro, apenas para poder chegar à portaria, convencer os porteiros, entrar no clube. e receber o "pagamento" do jogador. E conseguia, entrava, nadava escondido e depois levava umas boas palmadas em casa por chegar tarde, todo molhado.
Passei a torcer pelo Botafogo, imediatamente depois de ver na televisão, no apartamento de uma das minhas avós na Cidade Alta, o Jairzinho dar um balão no goleiro da seleção tcheca e mandar a bola pro fundo das redes na vitória de 4x1 da nossa seleção na Copa 70. Foi a primeira vez que vi meu pai dar um pulo da cadeira e vibrar com um gol que não era do seu Fluminense.
Falando nele, meu pai quase me fez virar a casaca dois ou três anos depois, quando me levou para ver o meu primeiro jogo no Maracanã, uma partida do seu tricolor contra o Vasco pelo campeonato carioca. Era noite, chovia muito e, ao subir a rampa de acesso à arquibancada, eu vi uma vista tão apaixonante quanto a piscina do time da Gávea: um enorme gramado verde limão todo iluminado pelos refletores do maior do mundo. O que era aquilo?! Wow!
Muito tempo depois, já adulto e pai de três filhos, minha mãe me contou uma história que eu jamais saberia se não fosse por ela. Anos antes do Tri no México, Jairzinho namorou a filha de uma amiga, também moradora do Parque do Leblon. No começo desse namoro, a moça passava lá em casa, me pegava e levava, como pretexto, para se encontrar com o futuro Furacão da Copa na pracinha em frente ao Flamengo.
Fiquei com essa história incrível na cabeça por anos a fio. Em 2012, estava morando em São Paulo e vim passar uma temporada no Rio a trabalho. Fui hospedado em um hotel em Copacabana onde fazia minhas caminhadas da manhã no calçadão da praia.
Até que um dia, na altura do Leme, vejo Jairzinho vindo na minha direção e pensei “é agora!”. Você parou o cara pra perguntar? Pois é, nem eu. Bateu uma puta vergonha.
Finalmente em agosto de 2019, tive a oportunidade de encontrar meu ídolo num evento no campo de futebol onde hoje funciona um hospital de Covid da Fiocruz, na Avenida Brasil, na altura de Bonsucesso. Conversamos um pouco sobre aquele tempo e do seu namoro com a filha da amiga da minha mãe, mas falamos muito mais sobre o Botafogo.
Resumindo essa breve história: eu tinha tudo para ser tricolor, flamenguista e até vascaíno, mas me tornei botafoguense graças ao talento de jogadores do time que mais contribuiu para o Brasil superar o seu Complexo de Viralata, o mesmo time que transformou o Brasil no país do futebol.




O reencontro com o Furação da Copa e da minha infância
Essa familia é Fogo na roupa e no coração
Cidade Alta por Élcio Sobrinho, artista da comunidade


